“Ele é desatento demais”, “não para quieto um segundo”, “precisa se esforçar mais”. Frases como essas, ditas com frequência ao longo dos anos, podem parecer inofensivas, mas carregam um peso enorme para crianças e adolescentes que vivem com o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
Não se trata apenas de um diagnóstico médico. O TDAH, quando não é compreendido e tratado de forma adequada, pode afetar profundamente a forma como a criança ou o adolescente se percebe no mundo. E isso, com o tempo, mina algo essencial para o desenvolvimento: a autoestima.
O psiquiatra infantil Dr. Bruno, que atua com crianças, adolescentes e suas famílias, reforça que o impacto emocional do TDAH é real e merece tanta atenção quanto os sintomas de distração ou hiperatividade. “Uma criança que escuta o tempo todo que está errada, que não faz como os outros, começa a acreditar que tem algo de errado com ela. Isso é muito mais comum do que se imagina.”
O que é autoestima, afinal?
Autoestima é a forma como uma pessoa se enxerga, se valoriza e confia em si mesma. Ela se constrói desde cedo, com base nas experiências do dia a dia, nas relações com a família, com colegas, professores e, claro, nas pequenas conquistas cotidianas.
Para uma criança, se sentir capaz de completar uma tarefa, receber elogios sinceros ou ser reconhecida pelo esforço já faz uma diferença enorme. Mas quando ela é constantemente comparada, criticada ou colocada à parte, essa imagem interna vai se fragilizando.
Como o TDAH interfere nesse processo?
O TDAH é um transtorno que afeta a capacidade de manter o foco, controlar impulsos e organizar a rotina. Em ambiente escolar, por exemplo, isso pode significar esquecimentos frequentes, dificuldade de terminar tarefas no tempo previsto, comportamento agitado ou disperso.
E o que isso tem a ver com autoestima?
Tudo. Porque essas dificuldades são visíveis. E quando não são compreendidas, são rotuladas. A criança passa a ser “a que atrasa a turma”, “a que não presta atenção”, “a que vive no mundo da lua”. Mesmo com esforço, ela não consegue acompanhar o ritmo imposto. E isso vai criando uma sensação constante de fracasso.
Dr. Bruno destaca que muitas crianças com TDAH têm total consciência de suas dificuldades. “Elas percebem que estão sempre tentando e não conseguem. Começam a achar que não são boas o suficiente, que só dão trabalho, e se fecham.”
Adolescência: a fase mais sensível
Se a infância é uma etapa de formação da autoestima, a adolescência é o momento em que essa percepção de si mesmo se torna ainda mais importante. A necessidade de pertencimento, a busca por identidade e a pressão para se encaixar são enormes.
O adolescente com TDAH, além de lidar com essas mudanças, precisa enfrentar os desafios diários de se organizar, lembrar compromissos, controlar impulsos. Quando esses esforços não são reconhecidos, ele pode se sentir frustrado, incompreendido e, muitas vezes, inadequado.
Os impactos mais comuns são:
- Baixo rendimento escolar, mesmo com potencial;
- Dificuldade em manter amizades;
- Aumento do risco de desenvolver ansiedade ou depressão;
- Sensibilidade a críticas e comparações;
- Comportamentos de evasião, como faltar à escola ou evitar grupos.
A importância da escuta e do acolhimento
Quando a criança ou o adolescente se sente escutado, respeitado e compreendido, ele se fortalece emocionalmente. Isso não significa “passar a mão na cabeça” ou ignorar os desafios. Mas sim criar um ambiente onde ele possa falar sobre o que sente, receber apoio para superar dificuldades e celebrar conquistas, por menores que pareçam.
Dr. Bruno costuma dizer que o apoio emocional é tão importante quanto qualquer outro tipo de intervenção. “Não basta tratar os sintomas do TDAH. É preciso cuidar da autoestima, que muitas vezes vem machucada.”
Como família e escola podem ajudar
Tanto em casa quanto na escola, pequenas mudanças de postura podem fazer uma diferença enorme:
Em casa:
- Valorize os esforços, não apenas os resultados;
- Evite comparações com irmãos ou colegas;
- Ajude na organização da rotina de forma visual e clara;
- Converse sobre os sentimentos da criança com escuta ativa.
Na escola:
- Adapte tarefas quando necessário, respeitando o tempo da criança;
- Evite exposições públicas em caso de erros;
- Ofereça feedbacks positivos frequentes;
- Trabalhe em conjunto com a família e, quando possível, com profissionais de saúde.
E se a autoestima já estiver abalada?
Mesmo quando os sinais de baixa autoestima já estão presentes, é possível reverter esse quadro com acompanhamento e cuidado. A psicoterapia é uma das ferramentas mais eficazes para ajudar crianças e adolescentes a entenderem seus sentimentos, desenvolverem autoconfiança e criarem estratégias para lidar com os desafios do TDAH.
Dr. Bruno também reforça a importância de um acompanhamento multidisciplinar. “Quando escola, família e profissionais trabalham juntos, a criança se sente apoiada, e isso muda tudo. Ela passa a acreditar que é capaz, que não está sozinha.”
Autoestima não é luxo, é base
Olhar para a autoestima como parte do tratamento do TDAH é enxergar a criança e o adolescente como um todo, com suas potências e fragilidades. Mais do que ajudar a focar, a controlar a agitação ou melhorar as notas, o que se busca é que eles se sintam bem com quem são.
Porque no fim das contas, uma criança com TDAH não precisa ouvir que “precisa se esforçar mais”. Ela precisa ouvir que está indo bem, que é capaz e que, sim, é muito mais do que qualquer rótulo possa dizer.