Autismo leve, moderado, severo… essas palavras começaram a aparecer cada vez mais nas conversas, nas redes sociais e nas salas de espera de consultórios. Mas será que o autismo pode mesmo ser dividido assim? O que esses “níveis” significam de verdade na vida de uma criança, de um adolescente ou de um adulto autista?
Para o psiquiatra infantil Dr. Bruno, que acompanha famílias em todas as etapas do desenvolvimento, é importante entender que o termo “leve” muitas vezes esconde uma realidade complexa. “Quando a gente fala em autismo leve, pode parecer que a pessoa não precisa de apoio, que vai dar conta sozinha. Mas o que chamamos de leve pode exigir muito esforço da criança e da família no dia a dia”, explica.
O que é o Transtorno do Espectro Autista (TEA)?
O TEA é uma condição do neurodesenvolvimento que afeta a forma como o indivíduo se comunica, se relaciona socialmente e interpreta o mundo ao seu redor. O termo “espectro” é usado porque existe uma variedade muito grande de manifestações e intensidades. Não existe um “tipo único” de autismo. Cada pessoa autista tem seu jeito, seus interesses, suas dificuldades e suas habilidades.
Por isso, o diagnóstico não vem com uma receita pronta. Ele é sempre construído a partir da observação do comportamento, da história de vida e do impacto que essas características têm sobre o cotidiano da pessoa.
Os três níveis de suporte
Para tentar organizar esse espectro tão amplo, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) passou a categorizar o autismo em três níveis, de acordo com a necessidade de apoio que a pessoa apresenta:
Nível 1: precisa de apoio
Popularmente conhecido como “autismo leve”, esse é o grupo de pessoas que consegue se comunicar verbalmente, muitas vezes frequenta escola regular e tem algum grau de autonomia. No entanto, pode ter dificuldades para entender regras sociais, lidar com mudanças ou manter relações afetivas.
Em muitos casos, o autismo só é identificado mais tarde, quando a demanda social aumenta, como na entrada na escola ou no início da adolescência.
Nível 2: precisa de apoio substancial
Aqui, a necessidade de apoio é maior. A comunicação pode ser mais limitada, com uso reduzido da linguagem verbal, e os comportamentos repetitivos ou interesses restritos tendem a ser mais evidentes.
Essas pessoas costumam apresentar mais dificuldades de adaptação à rotina escolar, social ou familiar, exigindo um plano de acompanhamento mais estruturado, com apoio especializado frequente.
Nível 3: precisa de apoio muito substancial
Nesse nível, os desafios são ainda mais intensos. A pessoa pode não se comunicar verbalmente, ter comportamentos que colocam sua integridade em risco e necessitar de ajuda constante nas tarefas do dia a dia.
Esse é o grupo que muitas vezes é identificado ainda na primeira infância, com sinais claros de atraso no desenvolvimento e grandes dificuldades de interação.
Mas afinal, o que é autismo leve?
O chamado “autismo leve” costuma se referir a pessoas que estão no nível 1 de suporte, mas isso não significa que suas dificuldades sejam pequenas. Na verdade, muitos desses indivíduos enfrentam desafios enormes para se encaixar em um mundo que nem sempre está preparado para a diversidade.
Eles podem ter bom desempenho acadêmico, mas sofrer com sobrecarga sensorial em ambientes barulhentos. Podem ter vocabulário avançado, mas dificuldades para compreender ironias, piadas ou regras sociais implícitas. Em alguns casos, passam anos mascarando seus sinais para “parecerem normais” — um esforço que cobra um alto preço emocional.
Dr. Bruno ressalta que chamar de “leve” não deve minimizar o cuidado. “Leve para quem? Para quem está de fora? Porque para quem vive o dia a dia, pode ser bem difícil. Muitas dessas crianças ou adolescentes não têm o apoio adequado justamente porque aparentam dar conta de tudo. Mas por dentro estão exaustas.”
Diagnóstico tardio: quando os sinais só aparecem depois
O autismo leve muitas vezes passa despercebido até o momento em que as demandas sociais ficam mais complexas. Na infância, a criança pode ser vista como “tímida” ou “na dela”. Mas na adolescência ou vida adulta, surgem dificuldades maiores de relação, ansiedade social, crises de sobrecarga emocional e até quadros de depressão.
Nesses casos, o diagnóstico vem como uma forma de compreensão. Muitas pessoas relatam que, ao entender que fazem parte do espectro, conseguem finalmente dar nome ao que sentem e começar a buscar formas mais saudáveis de viver.
Apoio e acolhimento fazem a diferença
Mais do que rotular, o que realmente importa é entender quais são as necessidades daquela criança, adolescente ou adulto. Isso significa ajustar o ambiente, oferecer acompanhamento, respeitar limites e celebrar conquistas.
O suporte pode vir de diferentes formas: psicoterapia, terapia ocupacional, apoio escolar, adaptações no ambiente de trabalho, acompanhamento psiquiátrico quando necessário. Tudo isso ajuda a criar um cotidiano mais leve, menos sobrecarregado e mais respeitoso.
Dr. Bruno reforça que cada caso é único. “Tem gente que se adapta bem com pequenas mudanças, tem gente que precisa de uma rede de apoio mais ampla. O mais importante é olhar para cada pessoa com empatia, sem pressa e sem comparações.”
Entender para incluir
Ainda existe muito desconhecimento sobre o autismo, especialmente em relação aos chamados casos “leves”. E isso pode fazer com que essas pessoas fiquem à margem: não são vistas como “tão diferentes” para merecer adaptação, mas também não são compreendidas em suas dificuldades reais.
Promover a inclusão é justamente aprender a reconhecer as diferenças e agir a partir delas. É acolher sem infantilizar, apoiar sem superproteger, escutar sem julgar.
Para Dr. Bruno, não existe um jeito certo de ser autista. “Existe sim uma diversidade de jeitos de estar no mundo. Quando a gente entende isso, o apoio deixa de ser um favor e passa a ser um direito.”
No fim das contas, mais importante do que saber se o autismo é leve, moderado ou severo é saber que cada pessoa tem sua história, suas potências e seus desafios. E que o papel de todos nós, como sociedade, é construir caminhos mais acessíveis, humanos e justos para que essa diversidade possa florescer.