Os primeiros anos de vida de uma criança costumam ser cheios de novidades. É quando surgem os primeiros sorrisos, as primeiras palavras, os passos ainda inseguros, mas cheios de coragem. Tudo é motivo de comemoração. Mas, em alguns casos, os pais começam a perceber que algo pode não estar caminhando como o esperado. O bebê não olha nos olhos com frequência, demora a reagir quando chamado pelo nome ou ainda não começou a falar.
Nessas horas, é natural que surjam dúvidas. Será que é só uma fase? Cada criança tem seu tempo, certo? Sim, cada uma tem mesmo seu ritmo. Mas também é importante ficar atento aos sinais que podem indicar o Transtorno do Espectro Autista (TEA), principalmente nos primeiros anos de vida.
O psiquiatra infantil Dr. Bruno, que há anos acompanha o desenvolvimento de crianças e adolescentes, explica que quanto mais cedo esses sinais forem reconhecidos, melhor. “Quando conseguimos identificar o autismo ainda na infância, conseguimos oferecer estímulos e acompanhamento no momento em que o cérebro está mais aberto a aprender. Isso pode fazer uma diferença enorme na vida da criança e da família”, afirma.
Entendendo o autismo
O Transtorno do Espectro Autista é uma condição do neurodesenvolvimento que afeta a forma como a criança percebe o mundo, se comunica e se relaciona com as pessoas. A palavra “espectro” está aí justamente porque os sinais e o grau de intensidade podem variar muito de uma criança para outra. Há quem tenha sinais mais sutis e quem apresente comportamentos mais evidentes logo nos primeiros meses.
O que observar nos primeiros anos
De acordo com o Dr. Bruno, alguns comportamentos costumam aparecer entre 1 e 3 anos de idade e merecem um olhar mais atento. Isso não quer dizer que, ao notar um desses sinais, os pais já devem tirar conclusões, mas sim considerar a possibilidade de conversar com um profissional.
1. Pouco contato visual
O bebê evita ou raramente mantém contato visual com os pais, mesmo em momentos de interação como a hora da amamentação, da troca ou da brincadeira. Esse pode ser um dos primeiros sinais a chamar atenção.
2. Não responde ao nome
Muitas famílias relatam que a criança parece “não escutar” quando é chamada. Às vezes, até se pensa que há algum problema na audição, mas os exames mostram que está tudo certo. O que acontece, nesse caso, é uma dificuldade de resposta social ao nome.
3. Atrasos na fala ou pouco uso de gestos
Quando a criança demora a começar a falar ou não usa gestos comuns, como apontar, acenar ou mostrar objetos, esse também pode ser um indicativo. Algumas não falam, outras até falam palavras soltas, mas sem intenção de se comunicar.
4. Repetições e movimentos previsíveis
Balançar o corpo, bater as mãos de forma repetitiva (o chamado “flapping”), alinhar objetos ou repetir frases automaticamente (ecolalia) são exemplos de comportamentos que costumam aparecer em algumas crianças com autismo.
5. Preferência por brincar sozinha
Crianças pequenas geralmente buscam a companhia dos pais ou de outras crianças para brincar. Quando há pouco interesse por interação ou quando a criança parece “no seu mundo”, vale ficar atento.
6. Interesses muito restritos
Fixação em rodinhas de carrinhos, em abrir e fechar portas ou um fascínio incomum por temas específicos também pode fazer parte do espectro, dependendo da intensidade e da forma como esses comportamentos se apresentam.
Nem todo atraso é sinal de autismo, mas é bom não ignorar
É importante lembrar: só porque uma criança demorou a falar ou prefere brincar sozinha, não significa que ela tenha autismo. Cada criança tem seu tempo, seu jeito de crescer e aprender. Mas quando alguns desses sinais se repetem, ou aparecem juntos, é importante buscar orientação.
Segundo o Dr. Bruno, o período entre os 18 e os 36 meses é muito sensível para o desenvolvimento, e uma avaliação nessa fase pode ajudar a traçar caminhos mais certeiros. “Quanto mais cedo conseguimos dar apoio, mais chances a criança tem de desenvolver habilidades que vão ajudá-la a se comunicar e interagir melhor com o mundo”, afirma.
A família como ponto de apoio
O diagnóstico do autismo não se faz com exames de sangue ou imagens. Ele é construído a partir da observação do comportamento da criança e, principalmente, do relato da família. Por isso, os pais e cuidadores são peças fundamentais no processo.
Eles conhecem a criança como ninguém, sabem o que mudou no dia a dia, o que ela faz diferente, o que já tentou aprender. Essa participação ativa é o que permite um olhar mais completo sobre o desenvolvimento infantil.
O olhar atento da escola e de quem cuida
Além da família, quem convive com a criança também pode perceber sinais importantes. Professores costumam ser os primeiros a notar dificuldades na socialização ou na adaptação ao ambiente escolar. Da mesma forma, avós, tios, babás e outras pessoas próximas têm um papel importante nessa rede de apoio.
Esse olhar coletivo, quando feito com respeito e sensibilidade, ajuda a identificar o que precisa de atenção e encoraja os pais a procurarem ajuda sem culpa ou receio.
E se vier o diagnóstico?
Receber o diagnóstico de autismo pode trazer um turbilhão de sentimentos. É normal se sentir confuso, inseguro ou até mesmo com medo do que virá pela frente. Mas também é o começo de um caminho possível, de entendimento e de cuidado.
Com o suporte de uma equipe multiprofissional — que pode incluir psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e outros especialistas —, a criança com autismo pode desenvolver suas habilidades, aprender a se comunicar e participar das atividades da escola e da vida familiar.
Dr. Bruno lembra que o objetivo do tratamento não é “mudar quem a criança é”, mas sim dar a ela recursos e apoio para que possa se expressar e se sentir bem com o mundo ao redor.
O que importa é acolher, respeitar e acompanhar
Autismo não tem uma receita. Cada caso é único. Por isso, não existe um caminho padronizado, mas sim trajetórias que vão sendo desenhadas com cuidado, presença e escuta. Dr. Bruno reforça: “Mais do que procurar por rótulos, a gente precisa estar disposto a entender e acolher cada criança na sua forma de ser.”
Observar com atenção, conversar com profissionais de confiança e confiar no instinto afetivo que pais e cuidadores têm é um bom começo. Porque, no fim das contas, cuidar também é saber olhar com carinho e perguntar: será que meu filho está precisando de algo mais agora? Se a resposta for sim, o melhor passo é buscar ajuda — e isso nunca será exagero.